segunda-feira, 28 de julho de 2014





No próximo dia 03 de agosto, lançaremos o projeto “Observatório dos Festivais”, um espaço de informação e reflexão sobre os festivais de artes cênicas no Brasil. 
Será um lançamento nacional realizado em São Paulo, no Centro Cultural São Paulo, dentro das atividades da Mostra Latino-americana de Teatro de Grupo da Cooperativa Paulista de Teatro.
Apresentando o site do projeto, acontecerá um debate intitulado “Festivais a que será que se destinam” que contará com a presença de Juca Ferreira, Secretário Municipal de Cultura de São Paulo e ex-ministro do governo Lula, Valmir Santos, jornalista especializado em artes cênicas, Guilherme Marques, coordenador e curador do MIT SP (Mostra internacional de Teatro de São Paulo), Kil Abreu, curador teatral do Centro Cultural São Paulo, Rudifran Pompeu, presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, além da mediação do idealizador e um dos fundadores do Observatório dos Festivais Marcelo Bones, curador e diretor teatral.
O Observatório dos Festivais é um conjunto de ações articuladas com os objetivos de divulgar, pesquisar e produzir conhecimento e informações sobre festivais de artes cênicas no Brasil.
Esta iniciativa nasce do acúmulo de conhecimento, experiência e contato com festivais realizados de norte a sul do país aliado à vontade de contribuir para se pensar os festivais, potencializá-los, colocá-los em contato e divulgá-los para os artistas, profissionais e outros interessados em geral.
Nesta data, colocaremos nosso site no ar, a ser atualizado periodicamente, pretendendo ser lugar de encontro e fórum permanente entre os interessados nos festivais de teatro no Brasil. Inicialmente nosso foco será no teatro, com o interesse de incluir posteriormente outras linguagens.
Contaremos com seções sobre histórico dos eventos, perfis de curadores, calendário e informações, artigos técnicos, etc. No ano que vem pretendemos dar início a atividades de reflexão, com a organização de seminários e pesquisas sobre o universo dos festivais no Brasil.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Teatro - Dilemas e Possibilidades da Circulação Internacional

*Marcelo Bones
Novembro de 2013


O diagnóstico que temos hoje sobre a presença de espetáculos teatrais brasileiros no exterior é certeiro e definitivo: existe um abismo entre a nossa volumosa, potente e diversa produção e a circulação destas obras em outros países. Certamente não é uma exclusividade do setor do teatro, mas uma reflexão sobre este fenômeno certamente pode contribuir para todos os outros setores artísticos.
A existência de alguns projetos que logram fazer circulação internacional são exceções que confirmam a regra. São poucos, pontuais e sem continuidade. O teatro brasileiro tem participação menor nos festivais e nas programações nas salas de teatro pelo mundo. Para citar somente alguns exemplos: O FIBA – Festival Internacional de Buenos Aires deste ano, um dos maiores festivais da América Latina, não tinha nenhum espetáculo brasileiro em sua programação. Por curiosidade, estavam presentes, na semana dedicada a programadores internacionais, vinte curadores do Brasil, a maior delegação estrangeira presente no festival. O FIDAE 2013 - Festival Internacional de Artes Escénicas do Uruguay, realizado em outubro de 2013, também não contemplou nenhum espetáculo brasileiro. O festival chileno Santiago a Mil, também entre os cinco maiores festivais da América Latina não tem programado para janeiro de 2014 nada do Brasil. Nos festivais, salas de teatro, feiras e mercados na Europa e Estados Unidos, a presença brasileira é mínima como é também no vigoroso e recente mercado asiático. E certamente, não podemos imputar a culpa aos programadores destes festivais.
A inexpressiva presença dos espetáculos brasileiros no exterior é conflitante com a visão que o mundo tem hoje de nosso país O Brasil, na última década, tem assumido um novo papel na conjuntura política mundial. Pela importância econômica, pelos grandes eventos esportivos e também pela descoberta da diversidade da cultura nacional, tem crescido muito o interesse e a curiosidade dos outros países sobre o que fazemos artisticamente dentro de nossas fronteiras. Mas este novo papel geopolítico e este “novo olhar” não trouxeram como consequência a expansão da presença de nossa produção cênica em festivais, feiras ou mesmo em salas de programação teatral.
Sem a pretensão de nomear todos ou esgotar o tema, levanto alguns pontos que podem contribuir para o debate sobre os motivos que levam tão poucos espetáculos brasileiros ao exterior:
1 -  Faltam ao Brasil políticas públicas para o desenvolvimento da internacionalização de nossa produção artística. Diferente de muitos outros países, inclusive alguns vizinhos, inexiste uma agencia de fomento, um órgão público, um programa robusto envolvendo vários ministérios, com ações estratégicas e articulações institucionais para tratar de nossas relações no campo artístico com o resto do mundo. Um exemplo: há na Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (SEFIC) do Ministério da Cultura um edital de Intercâmbio e Difusão Cultural. É uma das pouquíssimas possibilidades de se conseguir passagens e ajuda de custo para a circulação. Mas este edital não foi desenhado exatamente para este fim. Abarca uma gama enorme de outras possibilidades de ações e não consegue potencializar a circulação como uma estratégia de exportação da produção teatral brasileira.
2 -   O idioma é também uma questão para ser abordada. Sermos o único país de língua portuguesa na América Latina e Portugal o único país falante de nosso idioma na Europa, traz dificuldades para que a produção nacional seja programada em muitas salas de teatro e festivais. Atualmente, aproximadamente 250 milhões de pessoas no mundo falam o português e o Brasil responde por cerca de 80% desse total. Certo que alguns grandes festivais estão equipados para a legendagem de espetáculos, mas existem também muitíssimos festivais menores e salas de teatro que não estão preparados para isto. Também, de forma geral, não se cuida com esmero das traduções, confecção de subtítulos e preparação de operadores com conhecimento de equipamentos, etc. É importante empreender um esforço para lidar com a tecnologia da legendagem e também estudar possibilidades de realização dos espetáculos em outros idiomas. Mesmo que num portunhol arranhado, é simpático para os espectadores o esforço dos atores em comunicar-se mais diretamente com o público.
3 -  Temos um país muito grande e, em alguns lugares, com difícil acesso. Já é tão complexo circular no Brasil que o esforço de internacionalização fica sempre em segundo plano nas prioridades de produção e de investimento público. Mas não devemos cair na armadilha dicotômica de primeiro criarmos condições de circulação interna e depois sim, fomentar a circulação para o resto do mundo. Necessitamos das duas juntas e complementares.
4 -  Os festivais brasileiros de teatro há pouco tempo começaram a desenvolver ferramentas e plataformas sistematizadas de aproximação de programadores internacionais e as produções locais. Esta é uma prática muito desenvolvida em outros países e tem sua efetividade comprovada. Os principais festivais latino-americanos como o Stgo a Mil (Chile), FIBA (Argentina), Festival Ibero-americano de Teatro de Bogotá, Festival de Manizales (Colômbia), Mercado de Artes (Uruguai), são apenas alguns exemplos sólidos no fomento de política de exportação do teatro de seu país. No Brasil as experiências são bem recentes, ainda não sistematizadas e com seus impactos não avaliados: o Festival Cena Contemporânea de Brasília realiza por anos o Encontro do Cena, O FIT BH – Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte realizou na sua edição de 2012 a Rodada de Negócios, experiência também repetida no Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre na sua edição de 2013, o Tempo Festival do Rio de Janeiro promove um evento específico sobre Artes Cênicas e Negócios em sua edição de 2013. São iniciativas fundamentais, apesar de tão poucas.
5 -  Os fazedores de teatro no Brasil, de maneira geral, não dedicam muita importância à estratégia da internacionalização. Renegam ao segundo plano o que pode ser uma rica oportunidade de trocas artísticas e de experiências com culturas tão diferentes da brasileira. Em alguns casos, existe também uma resistência a termos como “produto,” “mercado” e “negócio”. Mas é importante resgatar alguns destes conceitos na sua origem e reconectar este linguajar para as experiências salutares de trocas, intercâmbios, remuneração justa ao trabalho, etc. Este espaço internacional deve também ser visto como mais uma possibilidade de receita na manutenção dos núcleos e projetos artísticos. Por outro lado também é importante que o recém-chegado discurso da “economia criativa” não reduza as relações artísticas, que tem especificidades bem conhecidas, a uma mera relação mercantil.
6 -  Não devemos focar somente nos grandes eventos, nos grandes festivais internacionais. Existem muitos espaços com potencial de criação de oportunidades na difusão: pequenos festivais, projetos temáticos, iniciativas de coletivos e intercâmbios com artistas, salas de apresentação, aproximação com nossa fronteira territorial, etc. Importante também não discriminar qualquer fazer teatral. A circulação internacional é importante de ser estimulada não só para os produtores e fazedores mais estruturados e não só para um determinado “tipo” de teatro. É fundamental a inclusão de todos numa cadeia articulada e generosa.
Se existe uma realidade muito adversa, podemos também direcionar nosso olhar para um horizonte muito promissor. Se não ocupamos o espaço merecido e esperado, temos então uma grande oportunidade pela frente. Um grande campo ainda não explorado que podemos, com uma estratégia organicamente construída, vislumbrar uma promissora participação do Brasil no cenário artístico internacional.
Estes pontos são apenas fagulhas no intuito de acender a chama do debate. Creio que é fundamental para todos, termos abertas as portas deste amplo mercado internacional incluindo possibilidades inúmeras de vivencias artísticas.  É urgente um sobre-esforço de todos: do Estado, dos artistas, produtores e setores organizados da sociedade, objetivando a criação de uma clara política de internacionalização de nossa produção teatral. Ganham os fazedores, com mais uma possibilidade de sustentabilidade econômica e de intercâmbio artístico. Ganha o Estado, pois pode apresentar para o mundo uma cena artística inovadora e criativa, além de gerar valor econômico nas nossas exportações, ganha o público que terá uma produção cada vez mais sofisticada e complexa resultante do contato de nossos artistas com a produção mundial.


* Marcelo Bones é diretor de teatro, foi Diretor de Artes Cênicas da FUNARTE/MINC, consultor e programador de festivais de teatro no Brasil e Diretor Executivo da Platô – Plataforma de Internacionalização do Teatro MG



segunda-feira, 30 de janeiro de 2012





UM PASSO A FRENTE - POR UMA POLÍTICA PÚBLICA
PARA OS FESTIVAIS DE ARTES CÊNICAS

O Núcleo de Festivais Internacionais de Artes Cênicas do Brasil, desde 2003, vem atuando de forma compartilhada e cooperativa para a difusão das artes cênicas, mobilizando a cada ano um público de mais de meio milhão de espectadores. Composto hoje por oito dos principais festivais internacionais brasileiros, reunidos em Recife, por ocasião do 18º Janeiro de Grandes Espetáculos – Festival Internacional de Artes Cênicas de Pernambuco, vem a público propor um debate amplo e expressivo sobre a necessidade urgente da construção de uma política pública para os festivais realizados no país.

Entendemos que esta política deve responder aos desafios colocados pelo avançado estágio de complexidade das artes cênicas brasileiras e ser capaz de criar um sistema orgânico, democrático e participativo, que viabilize a sustentabilidade dos festivais, independente de sua abrangência regional, nacional ou internacional.

Os festivais contribuem decisivamente para a difusão e circulação da produção de artes cênicas, promovem um abrangente trabalho de formação de público, fomentam o intercâmbio nacional e internacional, investem na qualificação artística, técnica e de gestão, contribuem para a difusão da imagem do Brasil no exterior, além de impulsionar mercados de trabalho e economias locais. Geram também uma interface com outros setores da economia e da sociedade, tais como turismo, educação, tecnologia, comunicação, ação social, entre outros.

Em 2011, os festivais do Núcleo apresentaram 81 espetáculos internacionais vindos dos cinco continentes; 289 espetáculos nacionais de todas as regiões do país; ocupando um total de 173 espaços, dentre teatros, centros culturais e palcos em praças e ruas das oito cidades onde foram realizados. Dos recursos públicos e privados investidos na realização destes festivais, cerca de setenta por cento, retornaram para a economia local.

É importante reconhecer os avanços das ações e políticas desenvolvidas para a cultura nos últimos anos. Ampliou-se o acesso à produção dos bens culturais apostando no desenvolvimento, na inclusão e na participação. Por outro lado, os festivais de artes cênicas não foram objeto de um debate mais amplo e de criação de programas e políticas específicas para este importante setor.

Assim como para vários outros segmentos culturais, o ano de 2011, não foi bom para os festivais internacionais de artes cênicas. Para citar um exemplo, as recentes restrições da Lei de Diretrizes Orçamentárias impediram o repasse financeiro do Ministério da Cultura às associações de caráter privado sem fins lucrativos, e assim, os reduzidos recursos historicamente destinados pela FUNARTE a estes eventos não chegaram à maioria dos festivais.

Os representantes dos oito festivais que compõem atualmente o Núcleo, que incluem regiões e realidades diversas, identificam que seguem existindo históricas dificuldades para o desenvolvimento dos festivais no país e uma imensa lacuna em relação a uma política pública consolidada, nas três esferas de governo. Uma política que vislumbre ações e metas de longo prazo, destinada ao fomento deste segmento que desempenha papel estruturante e fundamental nas artes cênicas.

Por tudo isso, acreditamos que este é o momento da abertura de novos canais para reaproximação com as instâncias de poder e da sociedade, apostando, assim, em promissores caminhos para o desenvolvimento das artes cênicas de nosso país.

Nesse contexto o Núcleo de Festivais de Artes Cênicas do Brasil apresenta aqui suas diretrizes, estabelecendo como meta maior a contribuição na construção de uma política pública para os festivais.



1.     A busca de um modelo de financiamento e gestão que se adeque às necessidades específicas dos festivais e aponte para uma estratégia de continuidade e consolidação;

2.     Criação de canais de interlocução com ministérios diversos, além do Ministério da Cultura, buscando uma solução geral para os marcos regulatórios trabalhistas, fiscais e tributário;

3.     Fomento à criação de encontros e redes relacionadas à produção de festivais de dança, circo e teatro;

4.     Criação de um grupo de trabalho interministerial com o objetivo de tratar de questões transversais à realização de festivais;

5.     Realização, pelo poder público, de estudos e pesquisas sobre os impactos artístico e econômico dos festivais;

6.     Revisão da proibição do Governo Federal de realizar repasse de recursos diretamente a entidades da sociedade civil sem fins lucrativos;

7.     Ampliação do dialogo com as três esferas de governo, iniciativa privada, meios de comunicação e sociedade em geral, reforçando a importância estratégica da realização dos festivais para o desenvolvimento artístico e econômico do Brasil. 



Recife, 29 de janeiro de 2012

Porto Alegre Em Cena (RS)
Festival Internacional de Teatro - Palco & Rua de Belo Horizonte (MG)
FIAC Bahia (BA)
Janeiro de Grandes Espetáculos (PE)
Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (SP)
Cena Contemporânea - Festival Internacional de Teatro de Brasília (DF)
Festival Internacional de Londrina (PR)
TEMPO_FESTIVAL das Artes (RJ) 

terça-feira, 7 de junho de 2011

Sobre a Lei Rouanet

ÉPOCA ONLINE
04/06/2011

Da gasolina ao shopping center

Diego Escosteguy, Marcelo Rocha e Murilo Ramos
Os incríveis negócios do senador Romero Jucá com recursos públicos - do posto de combustível de seu filho ao centro construído com dinheiro da LEI ROUANET
SEMPRE À SOMBRA O lobista Magela (abaixo, à esq.) diz que o senador Romero Jucá (no alto, à esq.) usou seu nome para comprar carros. Acima, o shopping Paço Alfândega, aberto pela família Jucá com recursos públicos obtidos por meio da LEI ROUANET
Há duas semanas, ÉPOCA acrescentou algumas linhas à extensa ficha do líder do governo - qualquer governo - no Senado, o peemedebista Romero Jucá, parlamentar pernambucano que representa Roraima e mora em Brasília. Entre as principais novidades da reportagem, constavam evidências de que o senador ganhara um apartamento de uma empreiteira, relatos de como ele recorrera a laranjas tanto para abrir empresas quanto para buscar dinheiro vivo com doleiros - e, finalmente, documentos comerciais que demonstravam o inusitado crescimento recente do patrimônio de sua família. Jucá, um espécime raro de político - que aprendeu não só a pairar acima das rivalidades ideológicas entre PT e PSDB, como a lucrar (politicamente) com elas -, não quis falar sobre o assunto.
Apesar do silêncio perante a opinião pública e seus pares, Jucá tratou de desmentir, em nota, o lobista Geraldo Magela, que concedera entrevista a ÉPOCA revelando ilegalidades cometidas ao lado do senador. Jucá mantinha havia anos amizade e negócios com Magela, relação rompida somente no fim de 2009, em razão de um calote estimado por Magela em R$ 3 milhões. Diante da reação de Jucá, o lobista Magela resolveu dar nova entrevista a ÉPOCA. Ratificou o que já dissera e contou outros episódios envolvendo sua convivência com o senador. "Estou ansioso para ser chamado pelos órgãos competentes e mostrar as provas das quais disponho", diz Magela.
Magela contou que sua proximidade com Jucá era tamanha que, no segundo semestre de 1998, o senador lhe pediu que registrasse dois carros em nome da Pool Comunicações, empresa de Magela. Eram dois Peugeots 206, presentes para os filhos de Jucá. "Não posso aparecer", disse Jucá, segundo o relato de Magela. Magela aquiesceu e repassou os dados da empresa aos assessores de Jucá. "Dias depois, recebi as notas fiscais na sede da minha empresa. Os carros foram comprados por Álvaro Jucá (irmão do senador) em São Paulo, à vista, e emplacados em Brasília", afirma Magela. "Como em outros episódios, fui apenas laranja do senador. Não gastei um tostão." Cerca de um ano e meio depois, Magela afirma ter passado procuração para que os filhos de Jucá vendessem os carros.
Nesse período, enquanto ainda tinham uma relação de absoluta confiança, Jucá teria pedido um estranho favor a Magela: queria usar o telefone e o fax de seu escritório. "Preciso mandar um fax para a Suíça, e só posso fazer isso na sua casa ou em Roraima", disse Jucá, de acordo com Magela. O senador valeu-se do escritório de Magela em três ocasiões, sempre com o mesmo propósito. Com quem Jucá falava na Suíça? Qual foi o teor dos documentos enviados pelo fax? Jucá não quis responder a ÉPOCA. Magela prefere não fazer ilações: "Deduzi, é claro, que se tratava de um banco. Mas não perguntei, nem ele comentou, naturalmente".
Além das negociatas relatadas por Magela, a família Jucá também tocou prósperos negócios com o setor público. Nas últimas semanas, ÉPOCA investigou uma nova história desse segundo tipo de negócio. A família Jucá obteve autorização do MINISTÉRIO DA CULTURA para revitalizar, com R$ 3,8 milhões em recursos obtidos por meio da LEI ROUANET, uma área histórica do Recife, em Pernambuco, terra dos Jucás. Uma empresa da família Jucá levantou o dinheiro com estatais e empresas amigas. Em seguida, a mesma empresa da família Jucá repassou a maior parte dos recursos a uma empreiteira cujo dono era sócio do filho do senador - e, com o que sobrou dos investimentos, a família Jucá abriu um shopping center na área.
O negócio da família Jucá começou em 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, em que Jucá também foi líder. Em junho daquele ano, a Alfândega Empreendimentos, empresa oficialmente em nome de Álvaro Jucá, irmão do senador, apresentou o PROJETO ao MINISTÉRIO DA CULTURA. Na documentação entregue à pasta, a que ÉPOCA teve acesso, a empresa prometia revitalizar prédio na área da Alfândega no Recife, construído no século XVIII para abrigar os padres da Ordem de São Felipe, do qual sobravam então apenas ruínas. Pouco antes, a família Jucá conseguira convencer os padres da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia a alugar o terreno. Os Jucás estimaram o PROJETO em R$ 27 milhões, mas o governo liberou a captação de somente R$ 3,8 milhões pela LEI ROUANET, que permite às empresas abater do Imposto de Renda valores doados a PROGRAMAS CULTURAIS.
A iniciativa resultaria num centro de CULTURA, lazer, gastronomia e varejo que "privilegie a divulgação da história, CULTURA e da gastronomia locais", conforme a descrição enviada ao MINISTÉRIO DA CULTURA. O tal centro resultou no shopping Paço Alfândega, inaugurado um ano depois, em 2003. Dotado de lojas sofisticadas, o Paço nasceu destinado à elite da capital pernambucana. O shopping foi construído em nome da mesma Alfândega, de Álvaro Jucá. O estacionamento do Paço, além de duas lojas de luxo, foi registrado em nome de Rodrigo Jucá, filho do senador.
Enquanto construía o shopping, a Alfândega, com a autorização do governo em mãos, buscou patrocinadores. Sete empresas se sensibilizaram: Petrobras, Banco do BRASIL-DTVM, BMG, Belgo Mineira, AmBev, Souza Cruz e Siemens. Petrobras e BMG foram os maiores doadores. Boa parte das doações aconteceu após a inauguração do shopping, em 2003.
O doador que parece ter confiado mais na palavra da família Jucá foi o banco BMG, que pagou R$ 700 mil à Alfândega dois anos após o término das obras, em maio de 2005, quando Romero Jucá era ministro da Previdência. O maior negócio do BMG, como se descobriu no escândalo do mensalão, era o empréstimo consignado por meio do INSS, órgão subordinado ao Ministério da Previdência. Procuradas por ÉPOCA, algumas empresas negaram quaisquer motivações ilícitas para as doações e outras não se manifestaram.
Onde foi parar o dinheiro doado por essas empresas? A maior parte dos recursos acabou nas contas de duas construtoras: SAM e JAG Empreendimentos. A SAM recebeu R$ 1,8 milhão; a JAG, R$ 984 mil. O dono da SAM se chama Marco Ferraz Junior, é parente de Romero Jucá e sócio de seu filho Rodrigo Jucá numa empresa que administrava a garagem do shopping. E o que diz Ferraz Junior? Que quase não fez obras no shopping. "No Paço Alfândega, fiz apenas pequenos serviços", afirma.
Quem construiu, afinal, o shopping da família Jucá? A JAG Empreendimentos. "Fomos a principal construtora do shopping", diz Gustavo Miranda, o dono da construtora. "A SAM não tem nada a ver com essa obra." A família Jucá não entregou qualquer nota fiscal ao MINISTÉRIO DA CULTURA nem foi cobrada quanto a isso até que a reportagem de ÉPOCA alertasse a pasta. Em 2009, por causa das dívidas acumuladas pelo shopping, a família vendeu a maior parte de sua participação no Paço Alfândega. Mas comprometeu-se a restaurar outro prédio na região histórica do Recife: o edifício Chanteclair. Recebeu R$ 490 mil do governo, mas o prédio continua abandonado.
Enquanto o governo não cobra explicações, o senador Romero Jucá roda tranquilo por Brasília a bordo de seu Jaguar prata X-TIPE, modelo 2007. A máquina tem motor 3.0 com potência de 230 cavalos e está avaliada em R$ 100 mil. Há três multas, por excesso de velocidade, atreladas ao carro desde 2009. Elas somam pouco mais de R$ 250. Jucá não parece preocupado em pagá-las. Nem precisa. O carro está em nome da empresa A.J. Consultoria e Participações Limitada, de seu irmão Álvaro Jucá. Jucá também não se preocupa com os gastos para encher o tanque de seus carros em Roraima. Em abril, Jucá declarou ao Senado ter gastado R$ 5.521 para abastecer no Auto Posto Roma. A quem pertence o posto? Ao filho dele, Rodrigo. A família Jucá não tem misericórdia.

domingo, 27 de março de 2011

Carta de OSASCO - Congresso Brasileiro de Teatro

    CARTA DE OSASCO
O Congresso Brasileiro de Teatro, realizado em Osasco, São Paulo, nos dias 26 e 27 de março de 2011, que reuniu profissionais do teatro nacional de vinte estados e do Distrito Federal, com os objetivos de:
discutir e refletir sobre as atuais políticas públicas culturais executadas pelas instâncias públicas e privadas;
e assegurar o debate e a implantação das propostas do setor teatral elaboradas e apresentadas à sociedade e ao Estado, ao longo dos últimos oito anos, decidiu:
considerando os relatos dos congressistas que comprovam que os espaços públicos no Brasil tem sido privatizados, por meio de cobrança de taxas, proibição aos artistas de exercer seu ofício, com o uso de violência física e moral, apesar do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira garantir o direito de ir e vir e a liberdade de expressão, entendemos que a mesma está sendo desrespeitada nas instâncias municipal, estadual e federal;
- elaborar instrumentos jurídicos que regulem a ocupação dos prédios públicos ociosos, bem como imóveis que tenham possibilidade de agregar os artistas;
- criar uma comissão para impetrar uma carta-denúncia que deverá ser entregue em audiência com a Ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos;
- apoiar o projeto de lei federal apresentado pelo Dep. Fed. Vicente Cândido, lido em plenária, que regulamenta a garantia deste direito. 
E, também,
considerando os esforços realizados no Congresso Brasileiro de Teatro (1979, em Arcozelo) Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo (anos 80), o Movimento Arte Contra à Barbárie (1998), Redemoinho (2004-2009), Rede Brasileira de Teatro de Rua (2007), que culminaram na elaboração da Lei Prêmio do Teatro Brasileiro,
- exigir, em caráter de urgência, a sua votação pelo Congresso Nacional e, posteriormente, a sua implementação pelo Ministério da Cultura;
- fazer mobilização nacional pela votação imediata do Prêmio Teatro Brasileiro;
A plenária do Congresso Brasileiro de Teatro exige, ainda:
- aprovação imediata do Projeto de Lei PROCULTURA, no qual está inserido o Premio Teatro Brasileiro, com dotação orçamentária própria em Lei especifica;
- a execução, pela FUNARTE, dos editais relacionados ao Fundo Setorial de Artes Cênicas;
- a definição do dia 27 de março como o Dia Nacional de Mobilização do Teatro;
     Ficou decidido que a data do 2º. Congresso Brasileiro de Teatro será dias 06,07 e 08 de abril de 2012 em Brasília, Distrito Federal.

         Osasco, 27 de março de 2011, Dia Mundial do Teatro.

Artigo de Alfredo Manevy na Folha de São Paulo

26 de Marzo, 2011

Lei Rouanet:  
É preciso mudar o modelo

* Alfredo Manevy

A autorização do Ministério da Cultura para Maria Bethânia captar recursos reacendeu discussão sobre o papel das verbas oficiais para a cultura. No varejo, o debate abriu espaço para teses do arco da velha, como a proposta de extinção do Ministério da Cultura ou o linchamento e culpabilização da artista.
Na verdade, Bethânia foi vítima da ilegitimidade da lei tal como ela se apresenta hoje. O debate foi positivo no fim: consolidou a percepção de que o sistema tem distorções e que, no lugar de crucificar uma artista fundamental, a modernização da legislação é o melhor caminho.
A renúncia fiscal é dinheiro público, aponta o Tribunal de Contas da União. Integrante do Orçamento, a previsão de renúncia é finita e contabilizada, embora de difícil controle e acompanhamento. Logo, é justo discutir os critérios de sua distribuição.
O papel do Estado no apoio à cultura é fundamental para a democracia e para o desenvolvimento econômico. A percepção precoce dessa importância está na raiz tanto da política cultural francesa como da organização do cinema americano como indústria.
Não se trata de argumento estatista: mesmo os países emblemas do liberalismo compreenderam que a política cultural é decisiva na globalização. Para o Brasil, a política cultural é central para diminuir a desigualdade, para a qualidade na educação, para a ampliação do acesso a leitura, museus e cinema.
Mas a legislação precisa ser renovada. No caso da Lei Rouanet, o MinC apresentou um diagnóstico: só 3% dos proponentes captam mais da metade de toda renúncia, contemplando poucos artistas.
A almejada parceria público-privado não ocorre: 95% do montante geral é oriundo de renúncia fiscal, e não se estabeleceu um genuíno empresariado cultural: ao contrário, aumentou a dependência. Do dinheiro público disponível para a cultura, a renúncia fiscal predomina, o que dificulta planejamento e metas de longo prazo.
Os números de exclusão de cinema e museus continuaram assombrosos, um quadro em que milhões de brasileiros estão apartados do consumo de bens culturais, segundo dados do IBGE.
Depois de anos de discussão com a sociedade brasileira, o projeto de lei nº 6.722/2010 (Procultura) foi enviado pelo governo Lula ao Congresso Nacional em janeiro de 2010. Lá tramita e já foi aprovado por unanimidade na Comissão de Educação e Cultura da Câmara.
Por meio de um pacto que produzimos, governo, artistas, instituições e patrocinadores concordaram em aumentar o dinheiro das próprias empresas no custeio. A nova lei equaliza a renúncia fiscal a partir de critérios que permitem compor de forma racional o dinheiro público e privado.
Cria mecanismos de desconcentração e valorização do mérito e estabelece fundos de apoio direto a artistas, adotando uma grade de critérios para avaliar a necessidade de dinheiro público, projeto a projeto. A nova lei estimulará a boa convivência entre democratização e meritocracia.
Quanto ao medo de "dirigismo", a sociedade brasileira já possui instituições públicas com credibilidade na análise de projetos, sem ameaçar a liberdade de expressão.
Nossa democracia está madura e vigilante para barrar eventuais abusos. A pesquisa científica produzida na universidade brasileira, produto da subjetividade, é avaliada e financiada pelo Estado; ninguém reclama de dirigismo e o sistema funciona. Logo, transformar esse modelo não só é possível: é imprescindível. Basta aprovar o projeto que está no Congresso.

* ALFREDO MANEVY, doutor em audiovisual pela USP, foi secretário-executivo do Ministério da Cultura (2008-2010).

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A CULTURA

Publico aqui interessante artigo de Chico Pelúcio e Leonardo Lessa sobre políticas públicas para a cultura nos três níveis federativos. Este artigo sairá na revista SUBTEXTO do Galpão Cine Horto em março de 2011.


POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A CULTURA:
UM OLHAR PANORÂMICO SOBRE O BRASIL, MINAS GERAIS E
BELO HORIZONTE

Chico Pelúcio (1) e Leonardo Lessa (2)

Os últimos anos, certamente, foram importantes e definidores de novos caminhos para a área cultural. Acompanhamos mudanças de conceitos e paradigmas que vêm norteando as ações não só de quem pensa, mas também de quem financia a Cultura, tanto no setor público, quanto no privado. Com as eleições de 2010 fecharam-se dois longos ciclos de governos sob a mesma batuta, em âmbito federal e no estado de Minas Gerais. Consideramos, portanto, que esse fato merece de nossa parte uma análise aguda e apartidária. Aproveitamos a oportunidade para também incluir nessa reflexão a atuação do governo municipal de Belo Horizonte que, em última instância, é uma gestão de continuidade. Para isso, optamos por uma abordagem que extrapole o universo do teatro, nossa área de atuação, e lance um olhar crítico sobre o contexto das políticas culturais nas três esferas. Ainda que de forma panorâmica, pretendemos apresentar ao leitor nossa perspectiva de artistas e gestores, portanto, repleta de parcialidades, e contribuir para enriquecer a discussão em torno desse fervilhante assunto, num momento em que novos governantes assumem o leme da gestão pública.

Depois de oito anos com os mesmos representantes à frente do governo federal e estadual, podemos constatar avanços na área da Cultura. Já em Belo Horizonte, o que vem acontecendo nos últimos seis anos são fatos que, somados, têm gerado grandes retrocessos para o segmento.

Correndo o risco das generalizações, podemos afirmar que, nacionalmente, ganhou vulto a retomada das responsabilidades constitucionais do Estado para com a Cultura. Com muitas dificuldades e algumas conquistas, o Governo Federal vem diminuindo o abismo entre teoria e prática, embora ainda haja muito que avançar. Capitaneando grande parte dos avanços nesse campo, o Ministério da Cultura (MinC), além de ampliar seus recursos orçamentários, ganhou espaço político dentro do próprio Governo e soube se utilizar de sua limitada estrutura para fortalecer sua atuação. A reativação efetiva da FUNARTE é uma prova disso.  O papel de gerir e implementar programas de fomento às artes foi de fato assumido por essa fundação, que também, nos últimos anos, ganhou papel de protagonista na articulação política entre os artistas e o Poder Público Federal.

Uma antiga reivindicação do segmento cultural, ainda que tardiamente, foi posta em prática pelo executivo: a reforma da Lei Rouanet. Em seu último biênio de gestão, o Governo, através do Ministro Juca Ferreira, encorajou-se a iniciar publicamente um debate sobre a reformulação desse mecanismo de fomento. Basicamente, foram propostas mudanças que corrigem a distorção nefasta da política pública de investimentos em Cultura dos últimos 19 anos, ocasionada, sob nosso ponto de vista, por três motivos fundamentais: primeiro, a Lei Rouanet transferiu ao poder privado a decisão e escolha do que patrocinar com dinheiro público incentivado; segundo, a progressiva ausência e omissão do Estado frente aos seus deveres constitucionais com a Cultura abandonou todos os segmentos sem apelo mercadológico; e, finalmente, a combinação desses dois fatores fez das leis de incentivo o único mecanismo público de financiamento à Cultura, influenciando estados e municípios, que tendem a acompanhar as políticas adotadas pelo Governo Federal.

Levado ao público em março de 2009, um primeiro texto da nova lei apresentava diversas fragilidades, que suscitaram polêmicas, por sua superficialidade em alguns pontos. O Procultura, novo nome dado à Lei Federal de Incentivo, esquentou um debate que já vinha sendo feito no interior de diversos movimentos da sociedade civil organizada.  Como por exemplo, no âmbito das artes cênicas, o extinto Redemoinho - Movimento Brasileiro de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral, que já vinha discutindo o Prêmio para o Teatro Brasileiro, orientado pelos mesmos princípios posteriormente propostos pelo MinC para a reestruturação da Lei Rouanet. O principal deles e, talvez, o que determina o grande avanço dessa gestão, é o reconhecimento da responsabilidade do Estado para com a Cultura, que se deve traduzir em muitas ações estruturantes, mas, principalmente, no investimento de recursos próprios de seu orçamento para o financiamento da área. Daí, a previsão do deslocamento da base desse investimento que, atualmente, se concentra no incentivo fiscal (mecenato) para o fomento direto (fundo orçamentário regido por editais), através de um Fundo Nacional de Cultura mais robusto e criterioso.

Em 2010, último ano de governo, o Fundo Nacional foi setorizado e regido por editais públicos que exprimem demandas específicas de cada área da cultura. No campo das artes cênicas os recursos mais expressivos se concentraram em três vertentes, que contemplam a diversidade do segmento: manutenção de núcleos artísticos, produção artística e programação de espaços cênicos. Assim, o Governo reconheceu a importância dos projetos de continuidade e seus equipamentos para a formação de uma nova cadeia produtiva, o que possibilitará a descentralização da criação, da formação, da produção e da exibição, contemplando mais pessoas e cidades.

Nessa gestão, a prática da democracia participativa na elaboração das políticas para a cultura ganhou canais diretos e organizados pelo Ministério, seja através de consultas públicas – como as realizadas no caso das reformas das Leis Rouanet e do Direito Autoral – seja pela realização de duas conferências nacionais, em 2008 e 2010. Sem dúvidas, o envolvimento de representantes da sociedade civil em instâncias consultivas do Poder Público mostrou-se como um dos caminhos de diálogo entre as duas esferas. A criação das Câmaras Setoriais, hoje Colegiados, embora seja uma instância governamental e que represente somente parte dos segmentos artísticos, garantiu uma comunicação direta entre os diversos agentes culturais e os gestores do Estado. Entretanto, ainda é necessário que o MinC fortaleça o diálogo e reconheça, de fato, esse e outros fóruns como espaços legítimos de formulação e avaliação das políticas culturais.

Ao reconhecer tais avanços, não podemos nos eximir de lançar uma visão mais crítica sobre o contexto político federal dos últimos oito anos.  O Governo Lula, que assumiu o poder com tantas promessas, termina sua gestão contabilizando conquistas aquém de muitas expectativas, inclusive no campo da cultura. A ideologização excessiva das discussões por parte dos setores envolvidos, sociedade civil organizada – seja de esquerda ou direita – e Poder Público Federal e o não reconhecimento da ineficiência operacional por parte do MinC foram  fatores que dificultaram uma melhor evolução das discussões. Da mesma forma, não considerar dados importantes para um diagnóstico mais contundente da realidade dos investimentos em cultura no país, dificultando a criação de uma pauta mínima conjunta e mais fortalecida.

No que diz respeito à Lei Rouanet, por exemplo, a afirmação de que a totalidade dos recursos para o financiamento à cultura está relegada ao controle dos executivos de marketing das grandes empresas privadas através do incentivo fiscal é uma verdade parcial, uma vez que aproximadamente 30% (3) dessa verba vêm de empresas estatais como a Petrobras, os Correios, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Ao confrontarmos esses dois dados, percebemos que, se no início de sua gestão o MinC tivesse coordenado conjuntamente com as empresas estatais seus investimentos em cultura, de modo a ampliar ações estruturantes do Governo, teriam sido minimizadas algumas distorções que o levam agora a reformular toda a legislação. Pouco ou quase nada se falou dessa alternativa de intervenção governamental direta no financiamento à cultura, embora possamos identificar um aumento de seleções públicas para patrocínios das estatais que serviram de exemplo, inclusive, para algumas empresas privadas.

Essa mesma omissão se constata na conduta da administração federal em relação ao Fundo Nacional de Cultura. Hoje, elevado pelo Procultura a estrutura basilar do fomento, este mecanismo esteve por oito anos funcionando como uma “caixa preta” inoperante, sem intervenções realmente significativas do MinC em sua regulamentação e na democratização do acesso a seus recursos.

Diante desse quadro, numa análise consciente do contexto em que nos encontramos, seguimos com algumas perguntas que não podemos deixar de fazer nesse momento de transição de governos e de políticas: estará o MinC preparado estruturalmente para gerir com eficiência e agilidade as mudanças previstas no Procultura? Será possível operacionalizar, de forma objetiva e transparente, os complexos critérios que prevêem diferentes patamares de isenção para os projetos previstos na nova lei? Qual será a ação do MinC para diminuir a evasão de recursos privados da área cultural que as mudanças na lei poderão provocar?


Os últimos oito anos da ação do Governo de Minas Gerais na área da Cultura foram marcados por fases contraditórias. Nos dois primeiros anos do Governo Aécio, a Secretaria de Cultura simplesmente não operou, ficando jogada ao esquecimento e a total apatia. Nomeada para assumir a pasta em 2005, Eleonora Santa Rosa conseguiu, com amplo respaldo do governador, delinear fundamentos norteadores de uma política pública para a Cultura no estado.  Dentre as diretrizes básicas estabelecidas, ganhou destaque a interiorização não só das ações diretas da Secretaria, mas também da orientação e distribuição dos recursos. O acesso aos bens culturais tornou-se mais democrático e ampliou-se o alcance de diversos programas de fomento a municípios do interior, especialmente àqueles localizados em regiões economicamente mais pobres, como o Vale do Jequitinhonha.

Em quatro anos, a Secretaria de Cultura organizou e fortaleceu seus diversos órgãos vinculados, dando-lhes orientação precisa de atuação pública. A criação do Fundo Estadual de Cultura, garantido por lei, a organização e a moralização da Lei Estadual de Incentivo, a recuperação da Rádio Inconfidência da total falência e a criação da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, dentres outras ações, foram conquistas importantes e simbólicas dessa gestão. Também foram criados programas de fomento setoriais, como o Cena Minas e o Música Minas que, somados à reestruturação completa do já existente Filme em Minas, marcaram a atuação do estado no fomento a projetos do segmento artístico profissional. Os editais públicos desses programas foram elaborados a partir de discussões com artistas, entidades e movimentos que representavam a produção contemporânea de cada área. O financiamento destes editais se deu através de uma articulação da política pública desenhada pelo Governo e suas empresas estatais que, conjuntamente, definiram a distribuição dos recursos de seus patrocínios. Essa ação articulada contou com a colaboração do MinC em sua operacionalização e, ainda que por meio do mecenato, deu claramente uma destinação pública para o dinheiro público, fortalecendo a ação das políticas culturais do estado e contribuindo para a redução das distorções causadas pelas leis de incentivo fiscal. Essas e outras estratégias para ampliação do orçamento da pasta possibilitaram que o investimento em áreas anteriormente colocadas em segundo plano fosse retomado.  

O potencial dessa iniciativa deve ser mais explorado pelo Governo Estadual, através da extensão do mecanismo de seleção pública por editais também para projetos de empreendedores da sociedade civil. Programas como o CEMIG Cultural e o COPASA Cultural podem definir seus patrocinados por meio de editais alinhados com a política da Secretaria de Cultura e respaldados por comissões representativas e especializadas.


A parceria entre os Governos do Estado e Federal também resultou em duas grandes conquistas para a cultura mineira: a instalação de bibliotecas públicas em todos os municípios e a duplicação do número de Pontos de Cultura existentes no estado. Tais resultados só confirmam a importância da manutenção de um diálogo constante e uma política cultural integrada entre as diferentes esferas governamentais.

Infelizmente, entre 2008 e 2010, assumiram o cargo dois outros secretários vindos de outras áreas e com pouco envolvimento anterior com a cultura, que fizeram com que essas importantes ações perdessem parte de seu lastro e não conseguissem avançar. Entre uma série de equívocos, nesse período, a Secretaria propôs a extinção do percentual de contrapartida obrigatória das empresas que patrocinam via Lei Estadual de Incentivo, paralisou o diálogo com o segmento profissional e congelou os recursos destinados ao Prêmio Cena Minas, ameaçou a realização do Programa Música Minas e do convênio com os Pontos de Cultura, estes dois últimos fatos revertidos graças a uma grande mobilização do setor.

Outro ponto que não pode deixar de ser registrado é o fato de Minas Gerais ser um dos três estados brasileiros que ainda não possuem um Conselho Estadual de Cultura, o que compromete substancialmente a participação e o controle da sociedade na elaboração e aplicação das políticas para a cultura no estado.

Em Belo Horizonte, o que se constata é um grande retrocesso, crescente e preocupante. A cultura da capital mineira vive uma fase crítica, iniciada com a extinção truculenta da Secretaria Municipal de Cultura. Esse episódio envolveu o ex-prefeito Fernando Pimentel e vereadores que aprovaram, ao “apagar das luzes” do ano de 2004, uma reforma administrativa que previa a extinção dessa Secretaria, transformando-a em Fundação Municipal. Essa manobra autoritária abriu uma série de crises, desgovernos e paralisações, colocando a política municipal na contramão do que vinha acontecendo no estado e no país. Enquanto o Governo Federal dava sinais de comprometer parte de seu orçamento com o financiamento direto à Cultura, a Prefeitura de Belo Horizonte extinguia sua Secretaria com o principal argumento de que essa nova estrutura administrativa possibilitaria a captação de recursos junto à iniciativa privada, via leis de incentivo.

A partir de então, o que se viu foi uma Fundação Municipal de Cultura pouco atuante, que enfrenta sérios entraves burocráticos e a paralisação de projetos antigos e bem sucedidos, como o Arena da Cultura, o BH Cidadania e o Arte Expandida, dentre outros. O decreto que proibiu a realização de eventos culturais na Praça da Estação e a ameaça à realização da edição de 2010 do Festival Internacional de Teatro são fatos que ganharam repercussão nacional e comprovam o descaso da gestão do prefeito Márcio Lacerda com a vocação cultural da cidade.

Estes dois episódios mobilizaram grande parte do setor cultural em manifestações públicas de repúdio a tais condutas. O Movimento Praia da Estação levou à praça, por finais de semana seguidos, dezenas de manifestantes com roupas e acessórios de banho, numa espécie de protesto festivo contra a proibição de eventos no espaço público. A Prefeitura se dispôs ao diálogo e revogou o decreto imposto, substituindo-o por uma regulamentação de uso da Praça através da análise de cada evento por uma comissão. Ainda que nesse desfecho a paridade entre os membros do Poder Público e da sociedade civil nessa comissão não tenha sido respeitada, o bom senso e a democracia prevaleceram.

Conclusão semelhante se deu no possível adiamento da 10ª edição do FIT BH. Após uma rápida articulação dos artistas e seu apelo veemente para que a decisão fosse revista, a Fundação Municipal de Cultura voltou atrás. A poucos meses da data marcada, uma equipe de diretores da Fundação assumiu a coordenação do evento e, superando as expectativas, conseguiu viabilizar um Festival grandioso, com uma programação de qualidade. A crise anteriormente instaurada trouxe renovação ao FIT BH e, o que é mais importante, abriu um canal direto de comunicação entre artistas e o Poder Público, e a promessa de que esse diálogo será levado à frente como fundamental para a continuidade desse projeto garantido por Lei e que tem papel estruturante para o teatro mineiro.

Outro fato que sela o desrespeito com que a Prefeitura de Belo Horizonte vem tratando a comunidade e a Cultura desde 2004 é o edital de ocupação do Mercado Santa Tereza. Lançada em 2008, essa seleção pública por meio do voto popular envolveu diversas entidades e instituições culturais, dentre elas o Galpão Cine Horto, que apresentaram projetos de revitalização desse importante equipamento, fechado há alguns anos. Durante o pleito, diversas suspeitas de fraudes e manipulações foram constatadas, levando o Ministério Público a paralisar todo o processo e iniciar uma investigação. Desde então, a Prefeitura não voltou a público para dar explicações e se justificar perante os milhares de cidadãos que confiaram no sistema de votação, o mesmo do “festejado” orçamento participativo digital. Mais um tema diretamente ligado à cultura da capital mineira que segue sem conclusão ou mesmo sem um pronunciamento público da administração municipal.

Finalmente, numa análise ainda mais genérica da ação dos governos nas três esferas, durante esse período, concluímos que uma maior mobilização e participação da sociedade civil foi fator determinante para que as políticas públicas para a cultura emergissem e se tornassem pautas de discussão. Em alguns casos, por interesse de ambos e, em outros, à revelia de governantes que, a contragosto, tiveram que dialogar, frente a pressões de movimentos sociais reivindicatórios. O que ainda se constata, porém, é a fragilidade histórica das bases sobre as quais se assentam os pilares das políticas públicas para a cultura brasileira, que ainda dependem da vontade pessoal de gestores dos governos.

A ausência de programas específicos para a cultura no projeto governamental da maioria dos partidos políticos revela a vulnerabilidade da área, fazendo-nos reféns de conveniências momentâneas. O antagonismo radical relatado na atuação do PT no Governo Federal e no município de Belo Horizonte, ou ainda as condutas tão díspares dentro do governo de um mesmo partido como o PSDB em âmbito estadual são desdobramentos naturais dessa preocupante negligência com a importância da cultura na gestão pública. Findo o último pleito eleitoral, constatamos um descaso generalizado com o tema, que não foi abordado nos discursos ou debates públicos por nenhum dos candidatos aos mais importantes cargos do executivo e do legislativo. Mais uma vez, ficou patente a falta de compreensão, por parte desses candidatos, do quanto a cultura está vinculada à melhoria da qualidade de vida e da educação da população brasileira, fundamentais para avançarmos rumo a um país mais desenvolvido e sustentável.

Considerando esse contexto instável, é necessário reconhecer o quão fundamental tem sido a militância de artistas e produtores para que a política pública cultural se mantenha na pauta prioritária dos governantes. Ainda que incipiente e, na maioria das vezes, inconstante, essa mobilização vem sendo responsável por grande parte dos avanços na área, ou mesmo pela neutralização de interesses que poderiam levá-la a retrocessos. Infelizmente, porém, ao longo dos últimos anos, testemunhamos importantes iniciativas serem destruídas pela incapacidade de articulação e pela ausência de uma visão mais ampla do segmento artístico que, por uma nociva “partidarização” de interesses, rapidamente se desmobiliza. Acreditamos que a maior contribuição que nós, artistas e gestores temos a oferecer nesse processo de construção de políticas públicas seja uma melhor organização em torno de um projeto democrático para a cultura nacional.    






[1] Ator, diretor, integrante do Grupo Galpão e diretor geral do Galpão Cine Horto.
[2] Ator, integrante do Grupo Teatro Invertido, do Movimento Nova Cena e coordenador geral do Galpão Cine Horto.
[3] Fonte: Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura – Ministério da Cultura

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Mudança

Meus caros,

Estou me desligando da Diretoria de Artes Cênicas da FUNARTE.
Foram somente dois anos, mas intensos e de muito aprendizado para mim.Tive a oportunidade de viajar por todo o Brasil e de manter uma forte interlocução com os fazedores de circo, dança e teatro brasileiros.
Neste curto espaço de tempo, acredito que conseguimos avançar em muitas coisas importantes: os novos editais da FUNARTE (Artes Cênicas de Rua, Residências Artísticas Nacionais e Internacionais, Festivais, Ocupações Nacionais nos Espaços FUNARTE) todos realizados com recursos orçamentários, o ingresso do Brasil no
IBERESCENA - Fundo Iberoamericano de Artes Cênicas, o novo Fundo Nacional de Cultura, o acalorado debate da Lei Rouanet e do ProCultura acrescidos de toda a agenda da cultura no Congresso Nacional e várias outras ações de repercussão na produção artística nacional.
Estive também à frente de importantes processos representativos como as Pré-Conferências Setoriais do Circo, Dança e Teatro, a Conferência Nacional de Cultura e os Colegiados Setoriais destas três linguagens.
Tenho consciência, também, que várias coisas não se realizaram. Os limites institucionais, muitas vezes, se colocam como obstáculos aos desejos e necessidades dos gestores e artistas brasileiros. Mas a batalha é exatamente esta: avançar onde é possível e lutar sempre pelas grandes transformações nos paradigmas dos marcos regulatórios da produção artística.
Creio termos dado uma pequena, mas apaixonada, contribuição para a efetiva elaboração das Políticas Públicas para as Artes no Brasil.
Estou voltando, de mudança do Rio para Belo Horizonte. Volto as minhas atividades artísticas no Grupo Teatro Andante e, depois de uma quarentena, para a militância político/cultural.
Quero deixar a todos que colaboraram neste processo um muito obrigado e um grande abraço,

Marcelo Bones

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Boa Notícia

Meus Caros,
Os recursos financeiros para o pagamento dos projetos do Prêmio Myriam Muniz 2010  que ainda não foram pagos, chegaram à FUNARTE no dia 31 de dezembro e estão sendo depositados até o final desta semana. Os contemplados do Prêmio Klauss Viana deverão ser pagos em seguida.
Abraço,
Marcelo Bones

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Carta de despedida do Ministro Juca Ferreira

acabei de receber esta carta de despedida do Ministro Juca Ferreira:

Despeço-me do Ministério da Cultura com a certeza do dever cumprido. Aliás, fomos além do dever e das obrigações. Nos dedicamos de corpo e alma. Mas não me iludo, sei que muito ainda se poderia fazer e que muito precisa ser feito pela cultura de nosso país. Por isto não me considero plenamente satisfeito, mas me considero realizado.

Demos os primeiros passos, passos largos, mas ainda os primeiros passos. Creio que posso dizer que estivemos à altura da grandeza histórica do governo Lula: tratando as coisas públicas com o máximo respeito, democratizando as políticas culturais, republicanizando nossas ações e responsabilizando o Estado com os direitos culturais dos brasileiros e com a diversidade cultural do país. Buscamos nos relacionar com todo o corpo simbólico da nação, sem privilégios nem discriminações. Nos relacionamos positivamente com todos os governos municipais e estaduais, independente da coloração política do dirigente e nunca perguntamos a nenhum artista nem produtor cultural em quem ele votava.

Contribuímos para que a cultura fosse incorporada ao projeto de desenvolvimento. A importância que a cultura adquiriu no governo Lula significa que não basta aumentar o poder aquisitivo dos brasileiros. É preciso muitas outras coisas, tais como ambiente saudável, educação de qualidade e acesso pleno à cultura.

A cultura em nosso país, na gestão do governo Lula, passou definitivamente a ser tratada como primeira necessidade de todos, tão importante quanto comida, habitação, saúde etc... Esta foi uma grande vitória. Talvez a maior de todas. Colocamos a cultura no patamar superior das políticas públicas no Brasil. Disto eu tenho certeza. E fomos além. Federalizamos, democratizamos e descentralizamos as ações do Ministério da Cultura. Primamos por um Estado democrático, republicano e responsável com o desenvolvimento cultural do país.

Estou convencido de que nada disto teria sido possível se não representássemos a vontade de uma grande maioria. Esta grande maioria que deu legitimidade ao convite feito pelo presidente Lula para que Gilberto Gil ocupasse a pasta da Cultura. A quem agradeço o convite para a seu lado caminhar boa parte desta jornada que me levou a ser ministro.

Agradeço, muito especialmente, ao presidente Lula a confiança que em mim foi depositada. A todo seu apoio à nossa gestão. Sem a sua compreensão quanto ao papel estratégico que a cultura ocupa para um projeto de nação, dificilmente teríamos chegado onde chegamos.

Despeço-me agradecendo também ao apoio recebido de tantos artistas, produtores culturais, investidores, profissionais e cidadãos.  A legitimidade das políticas que implantamos se respalda em uma enorme rede mobilizada por este Ministério, de Norte a Sul deste país. Consolidamos um novo patamar de participação e inclusão na formulação e construção de políticas públicas para a cultura.
Quero também agradecer ao apoio recebido de todos os servidores do Ministério da Cultura, porque sem eles não teríamos sido bem sucedidos.

Por fim, despeço-me desejando muito sucesso à presidente eleita e a nova ministra, me dispondo a colaborar em tudo o que estiver ao meu alcance para que conquistemos o Brasil que queremos, um Brasil de todos.

Brasília, 31 de dezembro de 2010

Juca Ferreira

Fim de anos

Meus caros,
Primeiramente gostaria de desejar a todos um ótimo 2011. Com muitos prazeres, alegrias e avanços. Estou sem fôlego pra escrever agora. Deixo para o início do próximo ano, para compartilhar com vocês um pouco desta experiência dos dois anos que estive à frente da Diretoria de Artes Cênicas da FUNARTE. Já estou de mesa arrumada e começo a organizar minha volta a Belo Horizonte neste mês de janeiro. Volto à minha cidade, ao Grupo Teatro Andante e a minha família. Não posso deixar passar um super agradecimento a toda a equipe da FUNARTE que dividiu comigo as muitas alegrias e também as frustrações de não conseguir realizar os desejos. Mas construir políticas públicas, tenho certeza, é assim mesmo: nada mágico e nada fácil.
Um grande abraço a todos e volto aqui no início do ano para continuar este debate cênico, não mais como gestor público, mas como um militante da cultura e das artes.
Marcelo Bones

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Artigo do João Paulo do Jornal Estado de Minas sobre as praças em Belo Horizonte

Caderno Pensar, 18/12/2010.

Amizade e política na praça

João Paulo  

Domingo passado, aniversário de Belo Horizonte, um grande show na Praça da Estação trazia, além da comemoração dos 113 anos da capital, a chancela de celebração dos direitos humanos. Nem a chuva conseguiu tirar o calor do espetáculo, que mobilizou gente dos quatro cantos da cidade, feliz em ouvir e cantar com artistas como Chico César, Luiz Melodia, Antônio Nóbrega, Elza Soares e Lenine, além de homenagear Milton Nascimento, com direito à presença de Pablo Milanés. Teria sido tudo excelente, não fosse pelo constrangimento que cercava a praça em forma de gradis e revistas policiais. Com o argumento de defesa do patrimônio (por reivindicação do Museu de Artes e Ofícios), a praça não é mais do povo, como o céu também não é mais do condor. Policiais no chão, aviões no ar.

Os eventos na Praça da Estação são regidos por uma norma pública emanada da PBH, exigindo que se erijam cercas e se organizem filas para… frequentar a praça. Contradição em termos, praça cercada não é mais praça, mas local marcado pela exclusão e cerceamento da liberdade. Há muito desprestigiado, o Centro de Belo Horizonte vem ensaiando uma renovação, buscando estabelecer focos de atração, políticas de ocupação pela arte, incentivo à circulação de pessoas. Ao proibir os eventos no local, a prefeitura recebeu a resposta da sociedade, que se mobilizou e cobrou de volta a sua “praia”. As exigências atuais, por isso mesmo, mais parecem reação que verdadeira tentativa de proteção do local, pois foram baixadas sem qualquer debate público.
A praça precisa ser protegida, mas não pode deixar de ser praça. Qualquer norma civilizada de defesa do patrimônio e das pessoas passa pela confiança na civilidade da maioria, não pela universalização da suspeita. Vai pensar duas vezes quem, para ir a show de música popular ou a qualquer manifestação política ou religiosa (a intolerância, nesse caso, foi nitidamente dirigida às religiões populares, numa operação a mais de preconceito), precisar entrar numa fila para pegar ingresso, enfrentar um funil de grades, passar por revista e ficar impedido de sair, sob a pena de repetir todo o processo. A praça cercada é um apelo ao sedentarismo cidadão: fique em casa, cada um na sua.

Há muitas formas de conter a destruição do patrimônio e de garantir segurança às pessoas. Além da tecnologia existente, em termos de informação e inteligência não inventaram nada melhor que educação para conter os impulsos destrutivos. Impedir ou dificultar o acesso a espaços públicos é aposta na mais deseducada das atitudes: a repressão prévia. Um lugar bem preparado, com policiamento adequado, banheiros em quantidade suficiente, com bom fluxo de informação, transporte público bem planejado, suporte para quem carece de atenção especial – este é o pacote mínimo para uma política educada de quem quer receber público com dignidade e atenção. Sobretudo se o visitante é o dono da casa.

Casa e rua
Há um sentido a mais nessa história. A praça se tornou, desde a Revolução Francesa, a mãe de todas as insurreições libertárias, o solo da liberdade. A praça simboliza, na escala da sociedade, o que a casa significa no âmbito da família. O lar é o território da individualidade, a praça é o endereço do social. Se é na casa que se estabelece boa parte das relações afetivas mais íntimas, é ao ar livre que se dá o jogo da amizade e da política. Precisamos de amigos como precisamos de bons políticos, sem a praça corremos o risco de não encontrar nenhum dos dois: a amizade se privatiza e os políticos parecem não nos dizer respeito. A praça não é apenas confluência de ruas, mas de afetos que escapam à dimensão do indivíduo.

Podemos entender essa dicotomia como a separação entre dois tipos de elos que aproximam os homens. Há o elo forte da amizade, que se dá pela identidade, confiança, permanência. Há o elo fraco da política, medido pela necessidade de representação, pelo partilhamento de interesses comuns, pela impermanência dos desejos. Não há sociedade sem amigos e sem política. O ideal é que os dois elos sejam intercalados na corrente da vida: há momentos para a amizade (que sustenta nossos valores) e tempo para a política (que permite a vigência de valores comuns).

Outra forma de entender a importância de uma praça franqueada e livre é se voltar para os diálogos que são travados em seus bancos e espaços. Há a conversa dura e existe a conversa mole. A primeira atende aos projetos universais, aos grandes temas, aos negócios da sociedade. O lugar da conversa dura pode ser o parlamento, a entidade de classe, o sindicato, a universidade. Mas não podemos barrar a existência de um lugar para a conversa mole, para o papo que realiza outras dimensões da humanidade, que pode evoluir para a amizade e o amor. Sem conversa mole, não há sentido na conversa dura. Um mundo sem afeto não precisa de gente.

O antropólogo Roberto DaMatta vem, há muitos anos, buscando decifrar alguns aspectos do nosso jeito de ser brasileiro. Para ele, uma boa forma de se aproximar da alma do nosso povo é compreender sua ambiguidade essencial: somos sempre dois, um da casa e outro da rua. Há uma moral para cada terreno. Somos livres, permissivos e alegres na rua; exibimos a carranca, o senso de repressão e o convencionalismo em casa. O interessante, ressalta DaMatta, é que não se trata de esquizofrenia, mas de comportamento funcional, que mora dentro da mesma subjetividade. O brasileiro é de esquerda na rua e de direita em casa.

Sem querer extrapolar a rica hermenêutica psicológica do antropólogo, podemos pensar que fechar as ruas ao povo é uma forma tornar a sociedade mais conservadora. Conversar na praça (ir a shows, comícios e cultos) é comportamento de esquerda. Pedir carteirinha e fazer corredor polonês é atitude reacionária. Usando as palavras com poesia, podemos dizer que o belo-horizontino tem alma de esquerda e que a PBH tem atitudes afetivas de direita.

Talvez seja a hora de os manifestantes que protestaram contra o fechamento da Praça da Estação voltarem à cena, com sua anarquia e saudável conversa mole. É desse tipo de papo que estamos precisando. O risco maior pode ser a vitória da conversa dura e da lei dura em todas as praças da cidade. Aí, mais que cerceada, vamos ter uma cidade triste.

In: Jornal Estado de Minas. Caderno Pensar, p. 2 – Sábado, 18 de dezembro de 2010.