Teatro - Dilemas e Possibilidades da Circulação Internacional
*Marcelo Bones
Novembro de 2013
O diagnóstico que temos hoje sobre a presença
de espetáculos teatrais brasileiros no exterior é certeiro e definitivo: existe
um abismo entre a nossa volumosa, potente e diversa produção e a circulação destas
obras em outros países. Certamente não é uma exclusividade do setor do teatro,
mas uma reflexão sobre este fenômeno certamente pode contribuir para todos os outros
setores artísticos.
A existência de alguns projetos que
logram fazer circulação internacional são exceções que confirmam a regra. São
poucos, pontuais e sem continuidade. O teatro brasileiro tem participação menor
nos festivais e nas programações nas salas de teatro pelo mundo. Para citar
somente alguns exemplos: O FIBA – Festival Internacional de Buenos Aires deste
ano, um dos maiores festivais da América Latina, não tinha nenhum espetáculo brasileiro
em sua programação. Por curiosidade, estavam presentes, na semana dedicada a
programadores internacionais, vinte curadores do Brasil, a maior delegação
estrangeira presente no festival. O FIDAE 2013 - Festival Internacional de
Artes Escénicas do Uruguay, realizado em outubro de 2013, também não contemplou
nenhum espetáculo brasileiro. O festival chileno Santiago a Mil, também entre
os cinco maiores festivais da América Latina não tem programado para janeiro de
2014 nada do Brasil. Nos
festivais, salas de teatro, feiras e mercados na Europa e Estados Unidos, a
presença brasileira é mínima como é também no vigoroso e recente mercado asiático.
E certamente, não podemos imputar a culpa aos programadores destes festivais.
A inexpressiva presença dos
espetáculos brasileiros no exterior é conflitante com a visão que o mundo tem hoje
de nosso país O Brasil, na última década, tem assumido um novo papel na conjuntura
política mundial. Pela importância econômica, pelos grandes eventos esportivos e
também pela descoberta da diversidade da cultura nacional, tem crescido muito o
interesse e a curiosidade dos outros países sobre o que fazemos artisticamente
dentro de nossas fronteiras. Mas este novo papel geopolítico e este “novo
olhar” não trouxeram como consequência a expansão da presença de nossa produção
cênica em festivais, feiras ou mesmo em salas de programação teatral.
Sem
a pretensão de nomear todos ou esgotar o tema, levanto alguns pontos que podem contribuir
para o debate sobre os motivos que levam tão poucos espetáculos brasileiros ao
exterior:
1 - Faltam ao Brasil políticas públicas
para o desenvolvimento da internacionalização de nossa produção artística. Diferente
de muitos outros países, inclusive alguns vizinhos, inexiste uma agencia de
fomento, um órgão público, um programa robusto envolvendo vários ministérios, com
ações estratégicas e articulações institucionais para tratar de nossas relações
no campo artístico com o resto do mundo. Um exemplo: há na Secretaria de
Fomento e Incentivo à Cultura (SEFIC) do Ministério da Cultura um edital de Intercâmbio
e Difusão Cultural. É uma das pouquíssimas possibilidades de se conseguir
passagens e ajuda de custo para a circulação. Mas este edital não foi desenhado
exatamente para este fim. Abarca uma gama enorme de outras possibilidades de
ações e não consegue potencializar a circulação como uma estratégia de
exportação da produção teatral brasileira.
2 - O idioma é também uma questão para ser abordada.
Sermos o único país de língua portuguesa na América Latina e Portugal o único
país falante de nosso idioma na Europa, traz dificuldades para que a produção
nacional seja programada em muitas salas de teatro e festivais. Atualmente,
aproximadamente 250 milhões de pessoas no mundo falam o português e o Brasil
responde por cerca de 80% desse total. Certo que alguns grandes festivais estão
equipados para a legendagem de espetáculos, mas existem também muitíssimos festivais
menores e salas de teatro que não estão preparados para isto. Também, de forma
geral, não se cuida com esmero das traduções, confecção de subtítulos e preparação
de operadores com conhecimento de equipamentos, etc. É importante empreender um
esforço para lidar com a tecnologia da legendagem e também estudar possibilidades
de realização dos espetáculos em outros idiomas. Mesmo que num portunhol
arranhado, é simpático para os espectadores o esforço dos atores em comunicar-se
mais diretamente com o público.
3 - Temos um país muito grande e, em
alguns lugares, com difícil acesso. Já é tão complexo circular no Brasil que o
esforço de internacionalização fica sempre em segundo plano nas prioridades de
produção e de investimento público. Mas não devemos cair na armadilha
dicotômica de primeiro criarmos condições de circulação interna e depois sim,
fomentar a circulação para o resto do mundo. Necessitamos das duas juntas e
complementares.
4 - Os festivais brasileiros de teatro há
pouco tempo começaram a desenvolver ferramentas e plataformas sistematizadas de
aproximação de programadores internacionais e as produções locais. Esta é uma
prática muito desenvolvida em outros países e tem sua efetividade comprovada.
Os principais festivais latino-americanos como o Stgo a Mil (Chile), FIBA
(Argentina), Festival Ibero-americano de Teatro de Bogotá, Festival de
Manizales (Colômbia), Mercado de Artes (Uruguai), são apenas alguns exemplos
sólidos no fomento de política de exportação do teatro de seu país. No Brasil
as experiências são bem recentes, ainda não sistematizadas e com seus impactos não
avaliados: o Festival Cena Contemporânea de Brasília realiza por anos o
Encontro do Cena, O FIT BH – Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte
realizou na sua edição de 2012 a Rodada de Negócios, experiência também
repetida no Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre na sua edição de 2013, o Tempo
Festival do Rio de Janeiro promove um evento específico sobre Artes Cênicas e
Negócios em sua edição de 2013. São iniciativas fundamentais, apesar de tão
poucas.
5 - Os fazedores de teatro no Brasil, de
maneira geral, não dedicam muita importância à estratégia da internacionalização.
Renegam ao segundo plano o que pode ser uma rica oportunidade de trocas
artísticas e de experiências com culturas tão diferentes da brasileira. Em
alguns casos, existe também uma resistência a termos como “produto,” “mercado”
e “negócio”. Mas é importante resgatar alguns destes conceitos na sua origem e reconectar este linguajar para as
experiências salutares de trocas, intercâmbios, remuneração justa ao trabalho, etc.
Este espaço internacional deve também ser visto como mais uma possibilidade de
receita na manutenção dos núcleos e projetos artísticos. Por outro lado também
é importante que o recém-chegado discurso da “economia criativa” não reduza as
relações artísticas, que tem especificidades bem conhecidas, a uma mera relação
mercantil.
6 - Não devemos focar somente nos grandes
eventos, nos grandes festivais internacionais. Existem muitos espaços com
potencial de criação de oportunidades na difusão: pequenos festivais, projetos
temáticos, iniciativas de coletivos e intercâmbios com artistas, salas de
apresentação, aproximação com nossa fronteira territorial, etc. Importante
também não discriminar qualquer fazer teatral. A circulação internacional é
importante de ser estimulada não só para os produtores e fazedores mais
estruturados e não só para um determinado “tipo” de teatro. É fundamental a
inclusão de todos numa cadeia articulada e generosa.
Se existe uma realidade muito adversa,
podemos também direcionar nosso olhar para um horizonte muito promissor. Se não
ocupamos o espaço merecido e esperado, temos então uma grande oportunidade pela
frente. Um grande campo ainda não explorado que podemos, com uma estratégia
organicamente construída, vislumbrar uma promissora participação do Brasil no
cenário artístico internacional.
Estes pontos são apenas fagulhas no intuito
de acender a chama do debate. Creio que é fundamental para todos, termos abertas
as portas deste amplo mercado internacional incluindo possibilidades inúmeras de
vivencias artísticas. É urgente um
sobre-esforço de todos: do Estado, dos artistas, produtores e setores organizados
da sociedade, objetivando a criação de uma clara política de
internacionalização de nossa produção teatral. Ganham os fazedores, com mais
uma possibilidade de sustentabilidade econômica e de intercâmbio artístico.
Ganha o Estado, pois pode apresentar para o mundo uma cena artística inovadora
e criativa, além de gerar valor econômico nas nossas exportações, ganha o
público que terá uma produção cada vez mais sofisticada e complexa resultante
do contato de nossos artistas com a produção mundial.
*
Marcelo Bones é diretor de teatro, foi
Diretor de Artes Cênicas da FUNARTE/MINC, consultor e programador de festivais
de teatro no Brasil e Diretor Executivo da Platô – Plataforma de
Internacionalização do Teatro MG